Estilos de Kung Fu internos e externos – Entenda de onde surgiu essa classificação!

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Nesse texto você vai entender como surgiu a divisão entre os estilos de Kung Fu internos e externos. Explore a história da China e das suas artes marciais!

Artes marciais Internas e Externas

Os estilos de Kung Fu são uma expressão marcial e cultural de comunidades chinesas. No estudo sobre a história dessa arte, encontramos diversas definições que buscam delinear os princípios técnicos e filosóficos comuns, para enfim agrupá-los em determinadas categorias.

Uma das categorias mais comuns é a que diferencia estilos de Kung Fu internos de externos. Em poucas palavras, os critérios são:

Artes Externas:

  • Gera e aplica energia pelos músculos e ossos;
  • Usa força contra a força do adversário;
  • É mais “duro”;
  • Sua origem é o Templo Shaolin (mais ligada ao budismo e costumes estrangeiros em relação à cultura Han).

Artes Internas:

  • Gera e aplica a energia universal qi;
  • Usa e desvia a força do adversário;
  • É “sutil”;
  • Baseia-se no taoismo – estilos como o taijiquan (boxe ultimo supremo), xinqyi quan (punho da forma e da intenção ou punho do corpo e da mente) e bagua zhang (palma dos oito trigramas).

No entanto, ao analisar essas categorizações e compará-las com as variações de estilos das artes marciais chinesas, vamos percebendo diversos estilos que fogem a essas regras.  

A suspeita origem da divisão dos estilos de Kung Fu

Para entender o conceito de artes internas e externas é preciso voltar até as primeiras menções desses termos na bibliografia chinesa. O professor Meir Shahar se aprofundou na história das artes marciais chinesas e nos conta mais sobre o contexto histórico da criação dessa categorização.

A queda dos Ming e a repressão da cultura Han

Em 1644 os manchus, uma das etnias que habitavam o norte da China, derrotou a dinastia Ming (1368-1644) e começaram a governar, dando início a dinastia Qing (1644-1912). Os chineses da etnia Han, que perderam o poder de seu governo, foram oprimidos.

Essa repressão fomentou a formação de sociedades secretas que buscavam compartilhar e apreciar a cultura Han, além de, em algum casos, organizar movimentos de resistência ao governo Qing. Alguns autores desse meio escreveram sobre a importância do povo Han retomar suas raízes.

Um desses princípios culturais era baseado no confucionismo, mais precisamente a harmonia entre as capacidades marciais e intelectuais. O desdém das elites Ming pelo Kung Fu teria levado à queda dessa dinastia, segundo esses pensadores.

As ideias da família Huang

Huang Zongxi (1610-1695) foi um soldado e pensador fiel aos ideais confucionistas. Ele sempre tentou viver de acordo com a piedade filial, especialmente depois que seu pai, Huang Zunsu, foi executado depois de acusar um grupo de eunucos corruptos. Zongxi, inflamado por ver a morte de seu pai, ficou ainda mais ativo na vida pública.

Em 1644, Zongxi fez de tudo pelo retorno da dinastia Ming, mas seus esforços foram em vão. Ele começou a participar de sociedades secretas e produziu o Epitáfio para Wang Zhengnan (Wang Zhengnan um zhi Ming, 1669). Nesse texto encontramos as primeiras menções aos estilos de Kung Fu internos e externos.

O filho de Zongxi, Huang Baijia (1634-1704), estudou Kung Fu com Wang Zhengnan (1617-1669). Ele era uma artista marcial iletrado que, de acordo com Zongxi, teria sido discípulo de Zhang Sanfeng, o criador lendário do Tai Chi Chuan.  Contudo, pai e filho se contradizem ao comentar da origem das técnicas de Sanfeng.

Baijia defende uma origem laica para as técnicas do lendário patrono estilos de Kung Fu internos. Ele escreveu no seu Método do Punho da Escola Interna (Neijia quanfa, 1676) que Sanfeng teria aprendido as técnicas Shaolin e depois inverteu seus princípios criando a arte interna.  Zongxi, em contrapartida, afirma que Sanfeng, um monge taoista de Wudang, aprendeu suas habilidades do deus da guerra taoista, Zhenwu.

A divisão entre estilos Internos e Externos

Henning e Wile, dois grandes pesquisadores da história do Kung Fu, analisaram as obras dos Huang e apontam que a intenção dos textos ao dividir as artes internas das externas é a de valorizar a cultura Han e combater as influências estrangeiras.

Os invasores manchus eram associados às artes externas, que eram:

  • Do Norte;
  • De Shaolin;
  • Budista.

Enquanto que os Han, a etnia principal da China Imperial, eram ligados aos estilos de Kung Fu internos, que eram:

  • Do Sul;
  • De Wudang;
  • Taoista.

As artes internas eram supervalorizadas pelos Huang, mais por motivos políticos do que pela qualidade técnica ou da real origem dos estilos de Kung Fu em questão.

A lendária origem dos estilos internos

O Tai Chi Chuan é o estilo marcial interno mais conhecido, especialmente pelos seus benefícios à saúde. Nela encontramos conjuntos de movimentos que se preocupam tanto com o aspecto marcial quanto com a energia interna do praticante.

No entanto, sua origem é muito questionada pelos mestres da arte, os praticantes e historiadores. No Epitáfio para Wang Zhengnan encontramos uma versão mais romantizada e fantástica de como a raiz para todos os estilos internos teria sido criada. Séculos mais tarde essa raiz seria associada ao estilo de Kung Fu Tai Chi Chuan.

Quem foi Zhang Sanfeng

Zhang Sanfeng é um personagem que é praticamente um mito, um imortal taoista. Há diversas versões sobre os seus feitos em vida e até mesmo depois de sua morte.  Anna K. Seidel, pesquisadora alemã especializada no taoismo, comenta que não há evidências históricas que corroborem com a narrativa de que Sanfeng tivesse criado o Tai Chi ou que fosse um imortal.

As lendas da dinastia Ming

No livro História de Ming (Míng Shǐ), escrito por vários autores e compilado por Zhang Tingyu, encontramos uma versão em que Zhang Sanfeng é retratado como um ermitão taoista da seita de Quanzhen, do monte Wudang.

Em 1391, o primeiro imperador Ming, Zhu Yuanzhang (1328-1398), o Imperador Hongwu, tentou trazer Sanfeng para sua corte. Porém, o monge teria recusado o convite. Há também lendas sobre um encontro entre Zhu Wangzhuang, 11º filho de Hongwu, mas não há registros sobre isso.

Contudo, Sanfeng viria a falecer em 1393. Seus últimos dias foram no mosteiro Jintai, localizado em Shaanxi. De acordo com as lendas, antes de ser enterrado, ele voltou à vida. Daí em diante ele ficou conhecido como um imortal taoista.

A crença no taosimo e no renascimento de Sanfeng é tão importante para os imperadores Ming que o imperador Chengzu (1402-1424) ordenou reerguer o templo do Monte Wudang. Esse monastério havia sido destruído na dinastia Yuan (1271-1368). A esperança do imperador era de atrair a atenção de Sanfeng e levá-lo para sua corte.

A importância de Zhang Sanfeng na dinastia Ming

Zhang Sanfeng era uma imagem muito importante para os imperadores Ming, pois a maioria deles era taoista. Sendo assim, nesse período encontramos diversos investimentos estatais em obras que enalteciam a religião taoista, como monumentos e templos. Isso era ainda mais evidente pelas várias práticas taoistas aplicadas pelos imperadores no seu dia a dia.

Há também vários casos de taoistas com poderes sobrenaturais que ajudaram Hongwu a conquistar a China e a derrotar os Yuan. Zhang Chung era um oficial que tinha o poder de adivinhação e previu a vitória de Hongwu sobre seus inimigos. Temos também a história do taoista Zhou Dian, que em 1360, foi testado pelo imperador. Ele não sucumbiu à fome e nem à tortura dos testes aos quais ele foi submetido.

Essa relação do taoismo com Hongwu é explicada pelo fato de que os Ming usaram de profecias e supostos milagres para fundamentar sua autoridade, assim seu reinado seria por direito divino. Essa prática era muito comum nas mudanças de dinastias na cultura chinesa. Na História dos Ming encontramos vários relatos, provavelmente forjados, sobre feitos incríveis de Zhang. Em 1459, Zhang foi canonizado pelo imperador Yingzong (1427-1464).

Os estilos internos e Zhang Sanfeng

Não há menção anterior ao Epitáfio para Wang Zhengnan à pratica ou criação de sistemas marciais por Zhang Sanfeng. Uma leitura bem provável é que os Huang criaram um simbolismo muito forte utilizando o imaginário taoista e o associaram às mitologias com cunho marcial. Dado o contexto dos autores, é bem possível que eles escreveram o Epitáfio para fomentar um desejo nacionalista e combativo na população.

Ao associar um personagem histórico muito influente na história da dinastia Ming com a prática do Kung Fu, os Huang buscavam valorizar a cultura Ming (e consequentemente, a da etnia Han).

Sendo assim, a criação da divisão entre estilos internos e externos tem mais a ver com política e uma tentativa de resgate cultural do que com as artes marciais e seus princípios técnicos.

Uma linha do tempo sobre Zhang Sanfeng e as artes marciais

  • 1669 – Publicação do Epitáfio por Huang Zongxi. Até esse ano Zhang só era conhecido como um taoista imortal. Depois ele é associado aos estilos internos;
  • 1900 – É atribuída a Sanfeng a criação do taiji quan. Também foi no séc. XX que a crença de que Bodhidarma como padroeiro das artes marciais foi popularizada.;
  • 1915 – Publicação de Segredos do Boxe Shaolin (Shaolin quanshu mijue).  Obra criticada por Tang Hao e Xu Zhendong por ser cheia de mentiras. Esse livro reforça a crença em Bodhidarma como origem do Kung Fu;
  • 1894 – Dan Miller aponta que nesse ano os mestres:
  • Cheng Tinghua (1848-1900) – estilo bagua zhang
  • Li Cunyi (1847-1921) – estilo xingyi quan
  • Liu Dekuan (falecido em 1911) – estilo taiji quan

Criaram uma Escola de Boxe Interno (Neijia quan) para promover seus estilos, mas perceberam que o nome já existia desde 1676, quando Huang Baijia havia publicado seu Método do Punho da Escola Interna e mudaram o nome para Habilidade de Boxe Interno (Neigon quan).  A mudança não pode evitar que a associação dos estilos se misturasse com o termo dos Huang (“escola interna”).

Sun Lutang (1861-1932), filósofo e escritor especialista nos estilos Bagua zhang, Xingyi quan e Taijiquan foi quem marcou esses três estilos como sendo internos. Este criou o estilo Sun;

  • 1928 – Inaugurada a Academia Central de Artes Nacionais (Zhongyang Guoshu Guan), que uniu diversos artistas marciais e fomentou o clima de hostilidade entre as escolas externas X internas (Shaolin X Wudang). Nessa época os dois estilos carregavam cunho marcial. No período Republicano (1912-1949), vemos a prática do combate desaparecer das escolas internas. Elas passaram a ser vistas mais como uma ginástica e ferramenta de autorrealização.

Então é correto afirmar que há artes marciais internas e externas?

Na história do Kung Fu temos muitos fatos misturados com mitos. Sendo assim, os praticantes e mestres podem ficar confusos entre o que é real e o que é invenção. Não é fácil definir isso, até mesmo porque vários registros históricos foram perdidos. Por isso, muitas vezes as tradições orais e lendas são nossa única fonte de informação.

No entanto é preciso cultivar um olhar crítico, sempre atento aos fatos. Com isso é possível se apoiar nos registros históricos que temos e nos estudos acadêmicos apoiados neles, ao mesmo tempo em que não menosprezamos o impacto e a importância de certas histórias, sendo elas verdadeiras ou não.

Entender os conceitos

Dessa maneira temos que ter em mente que ao usar conceitos como “artes internas” e “artes externas” estamos usando ferramentas para entender algo. Conceitos, portanto, devem ser usados tendo o contexto em vista.

 Faz sentido explicar para um leigo que a diferença entre o estilo Tai Chi Chuan e o Kung Fu dos monges Shaolin são diferentes entre si a partir da ideia de trabalho interno e externo, respectivamente. Porém, é importante dar o próximo passo e explicar que, dentro das artes marciais chinesas, o “duro e suave” estão sempre presentes, sendo impossível separá-las totalmente.

Na filosofia chinesa, esse conceito de harmonia e equilíbrio se estende a todas as áreas.  Desde os métodos das artes marciais até a manutenção da saúde, deve existir um balanço para se ter bons resultados.

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2 Comments

  1. Tadeu Barrozo abril 14, 2020 at 03:44

    Kung Fu, é uma arte que dispensa comentário.
    Estou querendo começar a treinar mais infelizmente não encontrei uma academia perto pra minha família e eu.

    Reply
    1. Jonas Bravo abril 15, 2020 at 18:36

      Realmente é uma arte sensacional, Tadeu! Em breve teremos novidades que podem te ajudar a treinar de qualquer lugar. Siga-nos nas redes sociais para ficar atualizado!

      Reply

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