Jonas Bravo – Minha história nas artes marciais – Parte 3

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No último texto da história de Jonas Bravo no Kung Fu pudemos acompanhar o início dos treinos nas artes marciais chinesas e como um professor de filosofia se tornou um professor de Kung Fu. Agora acompanhe como foi a jornada até a faixa preta e os desafios gerir uma empresa que ensina Kung Fu!

A Faixa Preta

Minha jornada até a faixa preta foi bem peculiar. Imagino que para vários artistas marciais o que mais conta nessa jornada é sua dedicação aos treinos e perseverança para enfrentar os testes físicos e mentais. Para mim foi isso tudo, mas também houve o desafio de gerir uma empresa.

Todo início de mês era uma dor de cabeça. A preocupação era em como conseguir pagar as contas, manter a academia funcionando e o treino dos alunos em dia. Além disso, havia minha prática diária de Kung Fu e Tai Chi Chuan, as aulas especiais, como o time de competição e dança do leão, etc. Nesses desafios cresci muito, tanto com artista marcial quanto como profissional. Aos poucos a academia foi se recuperando, fomos expandindo nossos serviços e melhorando a infraestrutura da academia.

Entre 2017 e 2018 concebi e encabecei um projeto de marketing para revitalizar a escola como um todo. Trazer inovações a uma empresa que mistura a arte marcial com os departamentos necessários para uma corporação funcionar de forma orgânica não é fácil. Foi um período desafiador em diversos aspectos, já que tive que lidar com todos os líderes (e mestres) da rede.

 

Um dia depois de receber a faixa preta eu participava de um campeonato da UBKF. Na foto eu recebia do Mestre Aurindo uma premiação em nome da minha antiga escola.

Nesse contexto, a conquista da faixa preta para mim foi um momento de extrema alegria e superação. Os desafios dos últimos anos colocaram à prova todo o aprendizado acumulado nas minhas vivências. Além de uma certeza renovada na capacidade de adaptação às novas condições, que eram muitas vezes desfavoráveis.

O fim do período na minha antiga escola

Meus últimos meses na minha antiga academia foram bem difíceis. Eu trabalhava sozinho o dia todo e somente no final do dia eu tinha o auxílio de um dos sócios da unidade (eram quatro ao todo). Com a saída do meu antigo professor eu dobrei meus afazes. Na realidade, eu os tripliquei, pois nesse período tive que auditar o prejuízo causado pela irresponsabilidade do antigo sócio, criar outras maneiras de arrecadar fundos para a unidade e lidar com todas as demandas dela.

Nesse contexto, tendo todo meu tempo comprometido com a academia perdi de vista muitos aspectos essenciais da minha vida pessoal. Meu casamento desandou e acabou em divórcio (havia muitas razões, mas com certeza ter a academia como prioridade influenciou muito nesse processo). Minha relação familiar também estava bastante degradada. Afinal, quem tem um negócio sabe que até mesmo no feriado não se descansa. Férias nem se fala, o que eu tinha para renovar as energias eram os dias entre o Natal e ano novo.

Foi um período de muita luta e renovação de ideias e prioridades. Eu comecei a perceber que a saúde que eu havia reconquistado quando comecei a treinar Kung Fu estava aos poucos se esvaindo. Aos poucos meu desequilíbrio interno trouxe à tona doenças crônicas ligadas ao estresse. Até mesmo as sessões de terapia não eram suficientes para voltar ao um estado de bem-estar.

Nesse contexto, atolado de responsabilidades, conversei com o sócio que me ajudava nas noites e nos sábados sobre minha situação. Conversando com ele vi que ele também estava aos poucos entrando em esgotamento. Como ele trabalhava de dia e ia direto para a academia, ele também estava sob muito estresse.

Na nossa conversa chegamos à conclusão de que precisaríamos de mais tempo livre. Quebramos a cabeça para ver uma alternativa que permitisse uma folga na rotina sem atrapalhar o andar da academia. Sugeri que revessássemos os finais de semana. Em um sábado um vai e o outro tira folga. Concordamos com essa solução.

A segunda decepção com um mestre

Quem já treinou uma arte marcial (especialmente as chinesas) sabe que questionar as decisões do seu mestre ou a tradição é algo bastante delicado. Há certas regras ditas (e muitas vezes não ditas) sobre como abordar certos temas, especialmente quando o trabalho estava envolvido. Por isso, é importante apresentar a nova ideia da maneira mais polida e fundamentada que você conseguir.

Ao levar essa ideia para nosso mestre tive uma das experiências mais curiosas sobre a natureza humana: o medo diante da autoridade. Juntos, eu e meu sócio, concordamos em defender a ideia do revezamento. Mas na hora de colocar isso na frente da autoridade ele deu para trás, dizendo que havia repensado e que não era uma boa ideia.

Mesmo assim, continuei a defender com argumentos meu ponto. Houve várias ocasiões de debate, após a aula, depois das reuniões de sócios, por telefone e a resposta foi sempre negativa. Contudo, não era uma negação legítima, baseada em motivos práticos, ao contrário, era totalmente autoritária: “não podemos fazer assim, pois vai contra nossa tradição”.

Ao questionar que tradição era essa recebi nada mais que o silêncio. Foi então que decidi escrever uma carta aos meus sócios e colegas mais próximos. Nessa carta, muito polida e clara, discorri sobre as minhas angústias, em como as regras que sempre se adaptavam às situações estavam sendo encaradas como absolutas nesse problema específico. Falei sobre a incompatibilidade de renda com o trabalho que eu fazia e de todos meus problemas de saúde. Resumindo, eu pedia ajuda à minha família marcial.

Família é só para quando convém?

Se eu estivesse lidando com um chefe, um simples patrão, eu não esperaria nada a respeito desses temas, afinal é para isso que existem as leis trabalhistas. Contudo, eu falava ali com o meu mestre de Kung Fu. Uma pessoa que passou anos comigo, me forjando na pessoa que eu era. Na tradição confucionista da minha antiga escola isso significaria que ele era um pai, que tinha certas obrigações a cumprir com seus discípulos/ filhos.

https://www.youtube.com/watch?v=fc6P_98QWNo

A verdade é que o posicionamento do meu antigo mestre foi o pior possível. Ele não me deu qualquer apoio em relação aos meus problemas financeiros (que também eram deles, já que ele era meu sócio). Além disso, ainda fui convidado a me retirar da empresa e da família marcial. Ou eu abandonaria minha carreira e voltaria a ser um aluno na escola ou eu teria que continuar sozinho com a unidade Padre Eustáquio, sem o apoio do meu antigo mestre e da rede de academias.

Para mim, as duas coisas eram inaceitáveis. Eu não queria abandonar minha carreira e nem queria assumir uma empresa completamente sozinho, já que isso era um dos fatores que estava afetando minha saúde física e mental; para além do fato de eu não conseguir sustentá-la financeiramente sozinho.

O dilema de como proceder

Nesse momento, foi me dado o prazo de uma semana para dar uma resposta. Refleti muito sobre tudo o que havia ocorrido. Parte de mim ainda não acreditava que depois de anos me dedicando àquela família marcial eu seria abandonado de maneira tão abrupta, como se eu fosse descartável.

Cheguei à conclusão de que era impossível continuar ali sem perder todo meu senso de dignidade. Ganhando abaixo do salário mínimo, trabalhando mais de 60 horas semanais, sem férias, sem perspectiva e sem autonomia na minha própria empresa, não tive escolha se não deixar a minha antiga escola.

Comuniquei aos meus sócios que minhas cotas sociais estavam à venda e que eles poderiam adquiri-las. Deixei claro que não mais iria à empresa e que renunciaria ao pró-labore. Surpreendentemente eles não receberam bem a minha posição. Fui acusado de abandonar meu posto de trabalho e de que eu tinha a obrigação de continuar dando aulas.

Nesse momento percebi claramente o que vários amigos e parentes já haviam me sinalizado: eu estava sendo explorado. E foi um tipo de exploração muito bem elaborada, se é que isso existe. Eu era sócio da empresa, mas na realidade minha autonomia ali era a de um funcionário. Ou seja, eu era um sócio apenas nos deveres e não nos direitos. Ao mesmo tempo eu era um funcionário que não tinha direitos trabalhistas. Chegar a essa conclusão foi algo devastador para mim. Anos de trabalho foram ressignificados, mas não de uma maneira positiva.

Comuniquei aos meus alunos que eu estava saindo da academia. Meus sentimentos naquele momento eram tão confusos que eu nem soube o que dizer para eles. Foi tudo muito rápido, mas pelo menos pude me despedir da maioria deles. Eu saí tranquilo de lá, reafirmando que eles estavam nas mãos de bons professores. Por mais que meus outros sócios tivessem errado comigo, eles nunca foram irresponsáveis no tratamento com os alunos.

 

Último simulado de exame da Padre Eustáquio. Esse foi o dia em que me despedi da maioria dos meus alunos.

Infelizmente, depois da minha saída recebi a triste notícia de que os outros três sócios resolveram fechar a unidade Padre Eustáquio. Foi extremamente triste, pois os alunos que ali treinavam estavam totalmente engajados no Kung Fu e não foi justo que eles ficassem sem o seu local de aprendizado.

Também recebi a informação, de alguns dos meus alunos mais graduados, que a verdade sobre a minha saída não foi esclarecida e, pior, que meus antigos colegas teriam sugerido que eu havia simplesmente abandonado a empresa. O que me consola nesse decepcionante desfecho para a unidade Padre Eustáquio é que eu fiz de tudo para mantê-la viva.

Um momento de reflexão

Sair de um relacionamento abusivo com meu trabalho foi um alívio. Finalmente, depois de anos eu me sentia um pouco mais leve. Porém, eu sabia que ainda havia diversos aspectos da minha vida para resolver, como o financeiro. Eu também tinha a noção que recuperar minha saúde física e mental seria um processo lento e gradual. Contudo, um peso havia sido retirado dos meus ombros.

Fiquei mais ou menos seis meses me recuperando e refletindo sobre o que fazer da vida. Pensei se eu voltaria a dar aulas de filosofia, se eu abriria outra academia de Kung Fu, se eu investiria em uma nova carreira ou se eu simplesmente estudaria para algum concurso.

No final das contas percebi que minha paixão era a de ensinar Kung Fu e filosofia. Porém para fazer isso eu deveria rever meus conceitos e evitar os erros do passado.

No próximo texto você vai acompanhar o resultado dessa reflexão e como ela se materializou na Bravo Kung Fu! Inscreva-se na nossa Newsletter para você não perder as atualizações!

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