Quem eram os monges Shaolin?

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Quando pensamos nos monges
Shaolin vemos a imagem de um homem careca, sereno e extremamente habilidoso nas
artes marciais. Esse personagem histórico também é visto como um budista devoto,
que abdicou dos prazeres carnais e tem um compromisso inquebrável com a vida (a
sua, dos animais e até mesmo a dos inimigos).

Entretanto, essa é uma caricatura
que não representa a complexa realidade da vida religiosa e marcial de uma
pessoa comum vivendo na China imperial. Nesse texto você vai conhecer mais
sobre a vida desses monges.

Como era o cotidiano no Templo Shaolin

Na China encontramos diversos
mosteiros espalhados em montanhas e florestas. O mais famoso deles é o Templo
Shaolin, construído no Monte Shaoshi, na província de Henan. Porém, há vários
outros templos dignos de nota e em vários deles temos registros que contam
sobre a vida desses monges.

 

Templo Shaolin (“jovem floresta”) foi construído no Monte Shaoshi, próximo a Luoyang, Henan, no ano de 495 d.C. O Imperador Xiao Wen (467-499), da dinastia Wei do Norte, forneceu fundos ao monge indiano Batuo (ou Fotuo) para construí-lo.

Um mosteiro é muito mais do que
um complexo de estruturas no meio de uma floresta. Era muito comum que os
templos tivessem uma vasta área de terras cultiváveis para cuidar. Assim como o
povo das aldeias e vilarejos da China Imperial, os monges tinham que garantir
sua subsistência.

A agricultura sempre foi algo
essencial para a sobrevivência humana em sociedade. Então, a tarefa mais
importante no templo era preparar e cultivar as terras. O terreno do Templo Shaolin
era muito extenso. Por isso era comum que as pessoas de aldeias e vilarejos
próximos trabalhassem nas terras também.

Além disso, artistas marciais
alugavam salas nos templos e estudantes, que se preparam para os exames
imperiais (militares e civis), aproveitavam o local tranquilo para tocar seus
estudos. Dessa forma, havia uma boa circulação de pessoas na área do mosteiro.
É bem provável que o intercâmbio de saberes (incluindo os saberes marciais)
tenha acontecido.

A rotina de um monge Shaolin

Porém, é importante ressaltar que
a rotina de um monge era bem difícil. Eles tinham que limpar todas as
estruturas (a limpeza na religião budista tem um significado bem mais
abrangente do que a higiene), fazer suas orações e estudos das escrituras,
meditar e trabalhar nas terras para cultivar alimento.

Tudo isso deixava pouco tempo
para atividades livres, como aprender artes marciais. O mais provável é que,
antes de se ordenarem monges, alguns deles já sabiam artes marciais. Era comum
que a população tivesse contato com o Kung Fu, já que a vida naquela época era
bem violenta.

Os monges guerreiros existiram?

A ideia de um grupo de monges
especializados no treino marcial é contemporânea. Atualmente, no Templo
Shaolin, encontramos monges que são acadêmicos,
que se concentram em estudar as escrituras budistas, e os guerreiros, que passam a maior parte do dia treinando artes
marciais.

 

Hoje os monges Shaolin treinam para realizar belas demonstrações de Kung Fu. O trabalho deles é uma boa fonte de renda para o mosteiro.

O mais provável é que a maioria
dos monges do passado não possuísse habilidades extremas de artes marciais,
pelo menos, nada fora da média da população. Eles eram pessoas comuns, mas que
não hesitariam em defender suas terras de ataques se necessário.

Alguns deles tinham habilidades
de combate, mas não era comum que eles treinassem tácticas militares, como se
fossem um exército. E mesmo que o fizessem, os imperadores chineses
dificilmente deixariam um exército de monges se formar nas montanhas de seu
país. Mosteiros já foram queimados às cinzas por muito menos que isso. A fama
do Templo Shaolin foi responsável por salvá-lo várias vezes da retaliação
política.

Relação contraditória entre violência e religião

O budismo é uma religião que tem
conceitos filosóficos muito complexos. Um deles é a sila, a conduta ética. Dentro dessa ideia de moralidade encontramos
a “fala correta” (samyag vac), a
“ação correta” (samyag karman) e o “viver
corretamente” (samyag ajivana).

A noção de agir corretamente trata
justamente da violência contra outros seres. Nos ensinamentos de Buda, causar o
sofrimento de outras formas de vidas (humanas ou não) é fonte de ainda mais
sofrimento para nós mesmo.

 

Representação de Sidarta Gautama, chamado de Buda após atingir a iluminação. O budismo é a quarta maior religião do mundo, com mais de 520 milhões de seguidores.

Assim, temos mais um conceito
budista: o karma. Essa ideia é a de causa
e efeito, que tudo que fazemos cria uma reação no universo. Dessa maneira, ao
ferir o outro automaticamente ferimos nós mesmos.

É por isso que no budismo o
estilo de vida é voltado para evitar gerar mais sofrimento. A dieta vegetariana
é um preceito budista por conta disso. A guerra e combates também são
inaceitáveis para aqueles que querem atingir a iluminação.

Todos esses conceitos religiosos
e filosóficos tornaram a situação dos templos paradoxal. Por um lado, o budismo
não permite a violência, por outro, o contexto da época exigia possuir a
habilidade para se defender de atacantes. Como os mosteiros possuíam uma grande
quantidade de terra e, em geral, se localizavam em regiões remotas, eles eram
alvos perfeitos para saqueadores.

Sendo assim, até mesmo os monges
não estavam livres de disputas.  Eles
estavam prontos para se defender. O Livro
de Wei
(Weishu), escrito por Wei
Shu entre 551-554 d.C., cita lotes de armas encontradas em um templo da região
de Changan (Xian) em 446 d.C. O historiador Kang Gewu, afirma que os monges de
Shaolin praticavam jiao di, uma luta
de agarramento onde o objetivo era derrubar o adversário.

Encobrindo uma verdade inconveniente

Contudo o fato é que as ações
militares (de autodefesa ou não) dos monges nunca foram registradas pelo cânone
budista. O historiador, Meir Shahar, interpreta isso como uma prova de que os
abades queriam encobrir a contradição de alguns de seus atos. Shahar ainda
chega a sugerir que a lenda
de Jinnaluo
(uma divindade, patrono do Templo Shaolin) foi criada para
justificar a prática marcial dos monges.

Jinnaluo é uma divindade que usa
um bastão. Essa arma não possui uma lâmina, ou seja, não pode cortar. Porém, a
verdade é que o bastão é uma arma muito poderosa. Além de versátil ela pode
causar sérios danos no corpo, mesmo usando proteções. Apesar dos monges Shaolin
utilizarem vários tipos de armas, como lanças e facões, a técnica de bastão do
mosteiro foi citada por vários manuais militares do séc. XVI.

Dito tudo isso, é importante
lembrar que qualquer princípio ético, filosófico ou religioso pode facilmente
se perder na vasta complexidade do mundo.

No Japão, na Segunda Guerra
Mundial, houve budistas que apoiaram a guerra e usaram de recursos
argumentativos baseados na filosofia de sua fé para defender diversas
atrocidades.

De maneira similar, vimos o
cristianismo ser usado como justificativa para males terríveis, como as
Cruzadas e a Inquisição. Essa contradição entre a religião e a violência é
muito antiga e perdura até hoje.

Como os monges Shaolin eram vistos pela sociedade?

Diante de um contexto tão
complexo, os monges Shaolin foram exaltados por uns e desprezados por outros.
Pela fama do Templo, os monges eram visto ora como heróis ou santos, ora como
bandidos ou baderneiros e, às vezes, como charlatões.

Os relatos dos oficiais do exército

As primeiras referências às
técnicas de combate dos monges aparecem no séc. XVI, quando a costa leste da China
era assediada por piratas japoneses e chineses. Alguns textos são manuais
militares de generais que viajaram o país em busca de melhorias técnicas para
refinar o método de treinamento de tropas.

Os principais são:

  • Livro da
    Disciplina Eficaz
    (Ji Xiao Xin Shu
    1562)- escrito pelo general Qi Jiguang (1528-1588) que enumera as técnicas com
    e sem armas da sua época que ele achava mais eficientes. Qi cita o método de
    bastão Shaolin;
  • Exposição
    sobre o Método Original de Bastão Shaolin
    (Shaolin gunfa chan zong 1610) –
    escrito pelo artista marcial Cheng Zongyou. É o primeiro manual de um estilo de
    combate Shaolin;
  • Enciclopédias militares da época: Tratado de Assuntos Militares (Wu bian), escrito por Tang Shunzhi
    (1507-1560), veterano militar. Tratado de
    Preparações Militares
    (Wubei zhi),
    escrito por Mao Yuanyi (1549-1641), oficial do governo. Vários deles
    consideravam as técnicas de bastão Shaolin dignas de serem aprendidas;
  • Registro
    das Armas
    (Shoubi lu 1678)- do estudioso
    e praticante das artes marciais Wu Shu (1611-1695). Refere-se ao monge
    Hongzhuan (quem instruiu Cheng Zongyou). Wu critica os Shaolins por usarem a
    lança como se fosse um bastão. Isso mostra que os monges não utilizavam somente
    o bastão.

Em suma, os militares e
estudiosos das artes marciais viam a força da técnica de bastão dos monges
Shaolin, porém eles não os exaltavam como uma elite de guerreiros com técnicas
infalíveis.

Os registros do governo

Encontramos registros sobre as
ações dos monges ao longo da história da China imperial. Especialmente na
dinastia Tang. Meir Shahar, fez um estudo aprofundado na Estrela de Shaolin (Shaolin
si bei
), um registro epigráfico contendo sete textos datados entre 621-728
d.C.

  • O maior deles, escrito pelo oficial sênior Pei
    Cui, em 728, conta que entre 605-616 ladrões estavam atacando pessoas e templos
    na região. Os monges foram forçados a se defenderem.  Várias propriedades do templo foram
    incendiadas;
  • Pei Cui conta também que uma das propriedades do
    templo, o Vale dos Ciprestes (Baigu Shu), tinha um valor estratégico
    como rota de comunicação com Luoyang. Wang Shichong (falecido em 621), general
    dos Sui, autoproclamado imperador de uma nova dinastia Zheng e inimigo de Li
    Shimin, instalou tropas e uma torre de observação. Alguns monges resolveram
    ajudar Li Shimin e capturaram Wang Renze (sobrinho de Shichong).
  • Em outro texto da Estrela de Shaolin há uma carta de 26 de maio de 621 onde o
    imperador Taizong (ou Li Shimin) agradece os monges e os orienta a voltarem aos
    caminhos pacíficos da religião. Ou seja, ele não autoriza a criação de uma
    força militar.

Mas a ajuda dos monges não deve
ser exagerada. Li Shimin moveu 50 mil pessoas contra os 100 mil de seu inimigo.
Sendo assim 13 monges não fizeram toda diferença. Porém esse ato foi mais útil
para o próprio templo do que para a guerra. Mais tarde a dinastia Tang
(618-907) adotaria medidas contra o budismo e a reputação de Shaolin o salvou
de represálias do governo.

Na dinastia Ming (1368-1644),
várias tropas especiais (xiang bing) são
formadas pelos generais chineses. O exército não conseguia proteger o povo dos
saques dos piratas e precisou de mais soldados.

Dentre essas tropas surgiram as Milícias Monásticas. Porém, elas não
eram formadas apenas por monges de Shaolin. Essa prática se estendeu por todo o
território assediado por piratas e vários monges de diversos templos foram para
a batalha.

Dentre os feitos mais famosos
registrados, temos:

  • 1548 – o monge Sanqi ocupou uma posição militar
    nas fronteiras das províncias de Shanxi e Shaanxi;
  • 1553 – um grupo de monges Shaolin participa da
    defesa da província de Zheijiang;
  • 1556 – o representante militar Nanjing recrutou
    monges Shaolin para combater piratas em Jiangnan;
  • 1561 – jornais de Zhejiang noticiam tropas
    monásticas contra piratas, mas não fala de qual templo;
  • 1565 – o comandante militar He Liangcheng
    discorre sobre as técnicas de bastão Shaolin dizendo que os monges do mosteiro
    de Funiu, em Henan, também praticavam artes de combate.

A presença dos monges na cultura chinesa

Na literatura
da China encontramos diversas referências que exaltam os monges, principalmente
os de Shaolin. Por mais que fosse comum a participação de milícias monásticas
na defesa das regiões dos mosteiros, os feitos de Shaolin roubaram o olhar do
público.

Cheng Zongyou
comenta no seu livro Exposição sobre o
Método Original de Bastão Shaolin
, 1610, que os únicos monges que mereciam
o título de guerreiros eram os Shaolin. Isso mostra o quanto os feitos dos
monges do templo foram significativos para a fama em relação aos outros
mosteiros.

Em 1553, temos
o maior contingente de tropas monásticas de que se tem noticia. Na batalha de
Wengjiagang, 120 monges enfrentaram e perseguiram mais de 100 piratas sofrendo
apenas quatro baixas.

Feitos assim
ofuscaram a participação de mosteiros como o dos Montes Wutai e Emei. Esses,
ficaram conhecidos pela defesa da nação contra as invasões de tribos do norte
em 1004 d.C. Esse feito teve mais impacto geopolítico, pois era uma questão
territorial importante. Porém, isso não foi o suficiente para chamar a atenção
do povo, artistas e historiadores ao longo dos séculos.

Mais exemplos
que citam o templo de Wutai:

  • O historiador renomado, Ma Mingda, já reconhecia
    os feitos dos monges do Monte Wutai (próximo da província de Shanxi);
  • O livro Os
    Bandidos do Pântano
    imortalizou os feitos do monge Lu Da (ou Lu Zhishen),
    conhecido como “monge tatuado”. Ele era um especialista com o bastão de metal e
    foi expulso do mosteiro Wutai por mau comportamento;
  • Romance
    dos generais da família Yang
    (Yangjia
    Jiang
    ) conta sobre um general que se ordenou como monge de Wutai e comandou
    uma tropa monástica contra a tribo nômade do norte liao khitan;
  • Série das
    Três Dinastias
    (San chão bei mong hui
    pian
    ) – atacados pelos invasores jurchen (fundadores da futura dinastia
    Jin, 1115-1234) os monges de Wutai se juntaram aos Song para defender a nação.
    Entre 1125 e 1126 a cidade de Tai Yuan foi sitiada por nove meses até caírem
    aos invasores. Dois monges foram reconhecidos pela defesa: Lu Shan Nuo e Du Tai
    Shi;
  • Ma Mingda também se referiu a Zhen Bao, um monge
    de Wutai, que liderou tropas contra os Jin. Porém, ele e suas tropas não
    conseguiram vencer a superioridade numérica dos adversários;
  • Os Song tinham um departamento de oficiais
    eclesiásticos (seng zheng). Os postos
    mais elevados eram nomeados no monte Wutai. O historiador dos Song do Sul, Zhao
    Yan Heng, conta que o mosteiro do monte Da Hing, de Hebei, foi fundado por um
    monge de Wutai.

 

Lu Zhishen, também chamado de “monge tatuado” é um personagem do romance Bandidos do Pântano. Essa imagem se encontra em um mural no Palácio de Verão e data do séc. XIX.

Os monges não
são citados somente em livros técnicos e manuais militares. Eles foram
importantes na literatura ao permearem o imaginário do povo chinês.

Mais
contemporaneamente, vemos os monges serem representados como paladinos da
justiça que contam com sua fé e habilidades para lidar com conflitos sem a
violência (apesar de não hesitarem de usá-la quando necessária).

No ocidente, as
histórias de monges chineses praticantes de Kung Fu, são quase que
automaticamente associadas ao Templo Shaolin. Porém, o fato é que a pratica
marcial era algum relativamente comum (apesar de pouco generalizada) nos
mosteiros.

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