Aprenda Kung Fu Online!
- Acompanhamento do professor!
- Vídeo aulas!
- Aulas guiadas e imersivas!
Nesse texto você vai descobrir quais são os princípios filosóficos que fundamentam a relação entre mestre e discípulo no Kung Fu. Aprofunde-se no pensamento chinês e saiba quais são as obrigações de quem aprende e de quem ensina.
A base filosófica e cultural do Kung Fu
Para entender o que compõe a relação entre mestre e discípulo no Kung Fu é preciso entender as artes marciais chinesas como fenômenos culturais. Inicialmente a arte marcial pode ser entendida como um conjunto de técnicas de caça e combate. No entanto, esse é só o princípio histórico desse movimento cultural.
O Kung Fu é um conceito que foi sendo desenvolvido com o tempo. As artes marciais foram se transformando em um método mais didático de formar soldados para a guerra. Ao mesmo tempo, a luta corpo a corpo e as demonstrações com armas se tornavam entretenimentos cada vez mais populares.
Todo esse processo aconteceu influenciado por diversas crenças culturais e filosóficas que o povo chinês cultivava. Afinal de contas, os mestre e discípulos de Kung Fu eram pessoas comuns, que tinham famílias com suas próprias tradições e costumes. Por isso o Kung Fu é um fenômeno cultural tanto quanto é uma técnica de combate e desenvolvimento pessoal.
A influência de Confúcio na cultura chinesa
Sendo assim, é importante saber qual foi uma das maiores influências intelectuais da China. Desde o séc. IV a.C. Confúcio se tornou um exemplo de professor e mestre para o povo chinês. Sua filosofia baseada na crença de que o ser humano pode aprender e se aperfeiçoar atraiu olhares de vários estadistas e civis que buscavam uma vida mais digna para todos.
Na filosofia confucionista, o ser humano aprenderia o amor pela humanidade (senso de humanidade, Ren) por meio dos ritos (espírito ritual, Li) e se tornaria uma pessoa elevada, um junzi. Isso seria possível pois a natureza humana é perfectível, ou seja, pode ser melhorada.
Portanto, para Confúcio, a educação tem um lugar primordial na vida do ser humano. Sem uma boa educação a pessoa não entenderá os ritos, não saberá se portar em sociedade. Essa ignorância dificulta a empatia com o outro, tornando o senso de humanidade mais difícil de cultivar.
A piedade filial
A piedade filial, xiao (孝), é um conceito central na cultura chinesa. Ela está ligada tanto ao culto ancestral, que tem um papel fundamental no pensamento religioso chinês, quanto à “ética de papeis” confucionista.
Essa ética é baseada nos papeis familiares (e consequentemente, sociais) e não em virtudes, por exemplo. Assim sendo, um filho tem certas obrigações com seu pai simplesmente pelo papel que ele ocupa na família. A virtude do pai em relação ao filho pouco importaria.
Contudo, a piedade filial não é um termo criado por Confúcio. Esse conceito já existia antes dele e está ligado ao culto ancestral. O confucionismo desenvolveu a ideia de xiao e a elaborou na sua visão ética como um aspecto fundamental.
Para existir harmonia na família seria preciso respeitar os papeis familiares. Os pais devem cuidar dos filhos quando estes são pequenos. Em contrapartida, os filhos devem cuidar dos pais quando eles forem mais velhos. Filhos não se rebelam e os pais garantem uma boa educação.
A relação entre mestre e discípulo no Kung Fu
Como o Kung Fu é um fenômeno cultural, reflexo da sociedade em que ele se encontra, ele absorveu o conceito de piedade filial nas relações entre mestre e discípulo. Assim, o mestre é análogo ao pai enquanto o discípulo o é ao filho.
Esse tipo de associação entre um conceito filosófico aplicado a uma ética de papeis foi repetido em várias instâncias na história chinesa. Antes mesmo de Confúcio, no I Ching, O livro das Mudanças (séc. 10-4 a.C.), encontramos referências a um paralelo entre o filho filial e o ministro leal.
Por isso, não é de se estranhar que nas famílias marciais e academias de Kung Fu esse conceito seja tão importante. Ele vai fundamentar todas as obrigações de cada um de acordo com seu papel na relação.
Os papeis dos mestres e discípulos
Em escolas de artes marciais tradicionais encontramos um ambiente que se propõe a seguir tradições e manter viva a cultura dos antigos mestres. Quando começamos na faixa branca, temos que aprender a mostrar respeito de uma maneira muito mais evidente. Há as reverências, nomes e títulos que temos que lembrar, além de gestos específicos que temos que aprender.
O aluno novato deve se comportar como se fosse um convidado do mestre. Ele deve aprender os limites de suas atitudes, aprender que há coisas que ele pode perguntar ou fazer e outra não. Antes de se tornar um discípulo (algumas vezes isso significa se tornar faixa preta), o aluno deve mostrar suas virtudes ao mestre seguindo suas instruções e não o desobedecendo.
Já o mestre deve zelar pelo seu aluno. Ele deve mostrar através do exemplo todas as regras e princípios que estão sendo passadas para o aluno. O mestre é aquele que assume a responsabilidade de ensinar da melhor maneira o que ele aprendeu. Ele se torna responsável pelos erros de seus alunos e se esforça para torná-los bons discípulos.
Se ambos seguem seus papeis, o aprendizado acontece. O aluno logo aprende a como se comportar nos ambientes de treino. Ele desenvolve sua força física e mental até se tornar um discípulo, alguém em quem o mestre já pode confiar. Com essa relação estabelecida, o mestre passa para frente seus ensinamentos mais profundos.
Os problemas das relações tradicionais
Contudo, como toda teoria, a prática se mostra muito mais complexa. A relação entre mestre e discípulo tradicional apresenta diversos problemas. Tais dificuldades não são somente exclusivas das artes marciais, mas aparecem em diversos tipos de relações que tentam preservar uma determinada cultura.
O fato é que as filosofias que sustentam as tradições são um reflexo da época em que elas foram criadas. Entender e estudar a filosofia chinesa a fundo é essencial para o praticante sério de Kung Fu, mas sempre com um pensamento crítico que avalie o que é válido no séc. XXI ou não.
Entenda alguns problemas que seguir à risca as tradições pode trazer:
Questões de gênero e discriminação
A sociedade chinesa, assim como a ocidental, é patriarcal. Isso significa que a figura central no núcleo familiar é a paterna. Por isso, a última palavra na família tradicional (chinesa ou ocidental, por exemplo) é a do pai. A mãe é uma figura importante, porém seu papel é o de apoio. A mulher na sociedade patriarcal é responsável pelo cuidado da casa, das crianças e do bem-estar do pai.
Essa estrutura social impede que mulheres assumam a liderança de suas vidas. Como consequência, os espaços mais masculinizados, como as artes marciais, são mais excludentes ainda. Pois mesmo que as mulheres tivessem uma abertura para participar de atividades marciais em certos contextos (como as guerras), elas tinham que se submeter aos homens, sendo improvável que uma mulher fosse respeitada como mestra (isso se ela aprendesse um estilo de Kung Fu completo).
Contudo, diversas mulheres ao longo da história aprenderam artes marciais e foram bem sucedidas na sua vida. Zheng Shi (1775-1844 d.C.), foi a pirata mais bem sucedida de seu tempo, comandando mais de 20 mil homens. No entanto, casos assim são exceções.
Abusos de autoridade
Em uma sociedade onde os direitos e deveres são estáticos, definidos pelo nascimento e família, abusos de autoridade são comuns. Muitas vezes a pessoa em comando de uma família ou nação não tem o conhecimento necessário para resolver determinadas crises. O abuso ocorre justamente porque a estrutura hierárquica fixa e imutável tem um critério aleatório (nascimento, para citar um deles) ao invés de ser baseada em algum princípio legítimo.
A piedade filial exige que o filho (subordinado) aconselhe o pai (superior) se esse estiver cometendo erros. Contudo, na ética de papeis confuciana, se o pai não escutar o filho, ele não deve desobedecer, mesmo que ele esteja certo. A autoridade do pai é soberana, nem mesmo a razão pode atrapalhar a ordem social pré-estabelecida.
A relação de mestre e discípulo no Kung Fu é análoga à estrutura familiar chinesa. Assim, o mestre deve cuidar dos discípulos como se fossem filhos. Enquanto isso os discípulos devem obediência irrestrita ao mestre. Estar nessa posição de autoridade não é para qualquer um, por isso que não é raro ouvir histórias de mestres que abusaram desse poder para tirar algum tipo de vantagem de seus discípulos.
Obediência cega
Outro problema que ocorre com certa frequência é a contrapartida do tópico anterior. Se o discípulo segue à risca a piedade filial como descrita na mais remota tradição, ele corre o risco de cair na fé cega de um fanático.
Tal fanatismo tem o poder de criar grupos que se comportam quase como seitas. Nesses ambientes os discípulos abandonam a razão para seguir todas as afirmações do mestre (que pode incentivar esse comportamento ou não). Os alunos aceitam abusos psicológicos e até mesmo físicos para seguir os ideais da piedade filial.
O valor das tradições
Dito isso, pode parecer que as tradições dos antigos devem ser abandonadas. No entanto, isso não é verdade. Ao estudar a história e filosofia de um povo, especialmente da antiguidade, devemos ter em mente o contexto dele. As regras e costumes estão adaptados a situações específicas. Com o tempo as situações pedem novas atitudes.
Assim, a filosofia confucionista e sua ética de papeis representam as necessidades do povo chinês no século IV a.C. Não é possível preservar completamente essas tradições nas relações entre mestre e discípulo de Kung Fu no séc. XXI. Mas é possível resignificar esses princípios e aproveitar o que há de melhor na sabedoria dos nossos ancestrais.
Os próprios antigos apontavam nuances nas relações hierárquicas. Mêncio (372-289 a.C.), por exemplo, lembrava que a piedade filial, por mais que fosse análoga à lealdade de um funcionário imperial, não era a incondicional em todas as situações. Um ministro tinha o dever de remover um governante tirano caso ele causasse danos à nação.
Atualmente, os mestres são bem mais flexíveis com as tradições e nas relações entre mestre e discípulo no Kung Fu. Alguns ainda tentam preservar as tradições à risca, mas outros tentam resignificá-las para servirem melhor na vida do séc. XXI.
E você? Já vivenciou uma experiência onde a piedade filial foi importante na sua tomada de decisão? Conte-nos mais sobre os impactos das tradições na sua vida social, familiar ou marcial nos comentários!
Aprenda Kung Fu Online!
- Acompanhamento do professor!
- Vídeo aulas!
- Aulas guiadas e imersivas!