Equilíbrio corpo e mente – A relação entre Kung Fu e saúde

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O Kung Fu sempre esteve ligado à saúde, pois ser saudável é uma das consequências do treino marcial e, de certa maneira, pode ser visto como seu principal objetivo. Descubra a razão de uma arte marcial se preocupar tanto com os conceitos de saúde e bem-estar.

O que significa Kung Fu?

Kung Fu significa basicamente “uma habilidade adquirida através do esforço”, ou seja, é toda habilidade desenvolvida através do treino. Uma cirurgiã muito habilidosa ou um dançarino de renome tem um bom Kung Fu nas suas respectivas artes. 

Esse significado amplo de Kung Fu é ligado ao significado das palavras gong fu na linguagem chinesa, porém “Kung Fu” é também o nome que damos a todas as artes marciais chinesas. Assim, esse termo engloba as artes marciais, aspectos culturais e princípios filosóficos.

A arte marcial

A arte marcial sempre esteve presente na vida humana. Desde que o ser humano começou a caçar, se intensificou a busca por formas melhores de lutar contra outro ser. O simples fato de pegar um pedaço de madeira e usá-lo como arma já é uma forma primitiva de tática marcial.

Com o tempo as técnicas de fabricação e manuseio de instrumentos e armas para a caça foram se aperfeiçoando e evoluindo para se adaptar às novas tecnologias. Acontece também a criação de estratégias e táticas. Para caçar um animal não basta ter o melhor equipamento, é necessário planejar a caçada, saber o posicionamento correto e atacar na hora certa.

Os vestígios que nossos antepassados deixaram mostram que a arte marcial acompanhou a humanidade desde cedo, seja na caça ou na luta contra adversários. A principal diferença entre as artes marciais chinesas e as demais é a forma peculiar com que a cultura chinesa se enraizou no ensino marcial. 

O lugar da saúde nos combates

Por mais que o objetivo de um combate seja causar dano ao adversário, a necessidade de cura sempre esteve presente na prática marcial. Essa sempre foi uma preocupação constante dos mestres e generais antigos (e tem se tornado a principal dos instrutores e treinadores do séc. XXI).

O combate pré-histórico

Lesões e ferimentos eram muito comuns nas atividades de caça e defesa do território contra animais selvagens ou outros seres humanos invasores. Por isso, na medida em que aconteciam ferimentos, surgiam técnicas para evitá-los ou resolver as suas consequências.

Como até mesmo nos treinos é possível que artistas marciais se machuquem, a preocupação com o bem-estar físico e com o tratamento de lesões também acompanha as sessões de treinamento. No ato de se preparar para os combates já encontramos um cuidado inerente com a saúde do corpo.

Dessa forma, temos por um lado, a arte marcial, que busca inicialmente ferir sem ser ferido, e por outro, a medicina, que visa manter o corpo em seu estado de equilíbrio. Assim, esses dois saberes estão interligados, tanto na teoria quanto na prática.

A formação dos exércitos

Essa relação entre o Kung Fu e a saúde se intensifica ainda mais quando os grupos tribais começam a se organizar em vilas e cidades. Junto com os sistemas políticos complexos, surge a necessidade de forças militares cada vez maiores e bem treinadas. Com isso temos um novo escopo para o treino marcial.

O que era uma questão de técnicas de sobrevivência em um ambiente hostil nas aldeias ancestrais se torna um conjunto de saberes sobre técnicas marciais, táticas de batalha, logística, psicologia, educação e medicina. Todos esses conhecimentos eram necessários para que generais treinassem vários jovens e os tornassem guerreiros eficazes.

Nesse contexto, o cuidado com a saúde mental dos soldados era uma preocupação constante. Era importante manter o estado emocional das tropas em dia. Como a rotina de uma campanha militar é longa e penosa, o desgaste emocional somado ao cansaço do corpo propicia o aparecimento de diversos distúrbios.

Treinos mais eficientes e seguros

Os líderes militares também se esforçavam para criar métodos de treino mais eficientes e que oferecessem menos risco para seus guerreiros. Nesse quesito, dois dos nomes mais importantes no desenvolvimento de técnicas de treino mais eficientes são os generais Qi Jiguang (1527-1588 d.C.) e Yu Dayou (1503–1579).

Artistas marciais como eles criaram técnicas de treino individuais ou em grupos. Algumas delas foram sintetizadas em formas ou taolus. A forma é uma rotina, uma sequência de movimentos, que representa as técnicas de combate de um determinado estilo ou região.

Treinar a forma é essencial para assimilar as técnicas com o menor risco de lesão. Essas rotinas eram praticadas como um exercício militar para fortalecer o corpo e, às vezes, eram acompanhadas de música (wu wu) em apresentações ou eventos importantes.

Com treinos mais seguros aumentavam as chances de que um soldado saísse do seu treinamento sem lesões graves, que o impossibilitassem de ir para as linhas de frente. Além do mais, soldados mais capazes tinham mais chances de voltarem ilesos.

Desenvolvendo o corpo de forma saudável

Junto com o desenvolvimento de métodos de ensino mais seguros temos a preocupação com o desenvolvimento do corpo de forma mais eficiente, sem causar lesões. Exercícios específicos como alongamentos e carregamento de pesos foram ordenados em sequências que eram praticados tanto pelos soldados quanto pela população civil.

Na época da primeira dinastia da era imperial, Qin (221 A.C. – 206 A.C.), as práticas em prol de uma vida longa e saudável estavam na moda. Até os imperadores buscavam remédios e exercícios para viver mais. Esse movimento cultural criou práticas que são usadas tanto na medicina tradicional chinesa quanto no Kung Fu.

O Chi Kung (qi gong), por exemplo, é uma técnica de manipulação do Chi (qi, ou energia vital) que é usada nas artes marciais chinesas como uma maneira de fortalecer o corpo e na medicina chinesa para restaurar o balanço energético do paciente.

Essa e outras práticas (como a ginástica taoista) foram aos poucos sendo incorporadas pelas várias famílias de artistas marciais. Contudo, tal integração se deu de forma difusa e heterogênea.

Equilíbrio corpo e mente

Na cultura chinesa, a saúde é relacionada com equilíbrio do corpo e mente. Sem um corpo são não haveria uma mente sã e vice-versa. A filosofia taoista sustenta essa linha de raciocínio. Uma visão holística sobre a saúde foi agregada nas artes marciais chinesas de várias maneiras.

Fazer movimentos repetitivos tem uma grande importância em qualquer treinamento e é muito benéfico para o cérebro. O diferencial no treino marcial é que existe um foco muito maior em associar movimentos com uma determinada lógica. Realizar movimentos complexos, na sequência correta, com a força adequada e manter o ritmo correto exige muita concentração e coordenação motora.

Além disso, o praticante de Kung Fu se torna alguém que busca a harmonia em vários aspectos da sua vida. Um desses aspectos é o cultural, por exemplo. A arte marcial foca em cultivar hábitos que nos tornem melhores, como a honestidade e pontualidade. Isso afeta positivamente todas as esferas da nossa vida, como na nossa saúde física e mental.

Por isso, o Kung Fu é muito mais que um exercício físico, ele é uma prática que envolve aspectos cognitivos, culturais, físicos e psicológicos. Os vários saberes de mestres e aprendizes em diversos assuntos foram amalgamados em um conjunto de práticas. A cultura do Kung Fu, em última instância, cultiva em seus praticantes o cuidado com o equilíbrio entre corpo e a mente. 

A cultura do Kung Fu

A cultura do Kung Fu se baseia na ética marcial, que é um conjunto de virtudes que norteiam as ações dos artistas marciais. É uma ética do respeito, da persistência e da excelência.

Essa visão de mundo proporciona aos praticantes uma atenção especial na sua saúde. Um corpo doente não consegue um desempenho tão bom nos treinos, portanto o praticante sente quase que imediatamente se sua saúde está em dia ao observar sua condição física. Essa vivência corporal chama a atenção dos artistas marciais para o cuidado de si, principalmente no que tange o tratamento preventivo de doenças. 

Além do mais, essa postura preventiva é reafirmada pelo pensamento chinês, que busca o equilíbrio. Essa linha de raciocínio pede cuidado com os excessos, mesmo aqueles cometidos em prol de algo nobre. Atletas de alto desempenho, por exemplo, sofrem problemas psicológicos graves se sua vida social e afetiva ficarem em segundo plano por conta de uma rotina exagerada de exercícios.

Portanto, nas artes marciais chinesas, a saúde não é vista somente como a ausência de doenças, mas como um esforço contínuo para manter o equilíbrio, seja entre o movimento e repouso , seja entre trabalho e recreação.

A arte da guerra nos dias atuais

A forma como o combate entre nações acontece no séc. XXI é bem diferente daquela que tínhamos na China antiga. Muitas técnicas e táticas dos generais imperiais podem não funcionar mais, porém suas técnicas para manter seus guerreiros saudáveis e motivados podem nos ajudar a enfrentar desafios do dia a dia contemporâneo.

Assim, todas as ações na Bravo Kung Fu, por exemplo, estão voltadas para a construção dessa cultura marcial. O compromisso com o horário das aulas, a forma de tratamento entre professor e alunos, a reverência para entrar ou sair da sala de treino. Todas essas ações, por menores que sejam, são voltadas para construir uma pessoa mais equilibrada e, consequentemente, saudável.

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