Nesse texto você vai entender como os exames de faixa são realizados no Kung Fu. Aprenda também sobre a origem e utilização de graduações nas artes marciais chinesas.

De onde surgiram as faixas

As faixas coloridas das artes marciais não são invenções antigas. Pelo contrário, elas são criações relativamente recentes. Jigoro Kano, o criador do judô, foi o responsável por desenvolver e aplicar a divisão por faixas entre seus alunos logo no início do século XX.

No começo, Kano dava aos seus discípulos mais avançados o título de Shodan. Isso seria o equivalente ao nível avançado ou à faixa preta. Ele também costumava premiar com certificações alunos que tinham habilidades mais desenvolvidas.

Foi por volta de 1907 que Jigoro Kano começou a utilizar faixas coloridas para dividir seus alunos mais novatos em níveis de habilidade e experiência. Esse método é muito popular e é usado por grande parte das escolas de artes marciais no mundo inteiro.

A hierarquia tradicional do Kung Fu

A hierarquia no Kung Fu é muito importante. Ela não é somente uma sequência de títulos e posições militares, há também um fator cultural muito importante. Na China antiga, a ancestralidade e laços familiares sempre foram muito observados pelo povo.

Também encontramos esses conceitos em um lugar central na filosofia confucionista. Há um apreço pelo cuidado dos mais velhos com os mais novos quando se trata da educação. Ao mesmo tempo, os mais novos devem respeitar e cuidar dos seus anciões. Essa filosofia fundamenta vários aspectos culturais do povo e das artes marciais chinesas.

Assim, o Kung Fu herdou essa ligação entre a hierarquia e laços familiares. Muitos termos tradicionais de títulos nas academias de Kung Fu remetem a essa estrutura familiar, onde o professor é o “pai de família” e os alunos são seus “filhos”. Assim, tradicionalmente, a idade e proximidade familiar são fatores que afetam a hierarquia marcial, onde a palavra dos mais velhos tem um peso maior.

A utilização de faixas no Kung Fu

As faixas, portanto os exames de faixa, não foram utilizadas tradicionalmente no Kung Fu. Elas são uma adição na metodologia de ensino de diversos professores a partir da segunda metade do séc. XX. Naquele tempo, as artes marciais japonesas estavam em alta. Elas já eram conhecidas pelo mundo ocidental e ganhava mais e mais praticantes.

A popularidade das artes japonesas inspirou os mestres de várias artes a utilizarem esse método nas suas escolas. Os professores de Kung Fu também aderiram a essa prática e aproveitaram o sistema de faixas o integrando com suas grades curriculares.

As matérias e conteúdos das escolas de Kung Fu

Desde que a civilização chinesa começou a formar exércitos e a ampliar sua técnica bélica, temos um movimento de pesquisa e sistematização de técnicas marciais. Essas técnicas começam como simples lições de como manusear armas brancas passadas de pai para filho, para se tornarem manuais complexos sobre o tema.

Esses conteúdos foram desenvolvidos em várias localidades diferentes. Assim, diversos sistemas de técnicas de armas e mãos vazias foram desenvolvidos por várias famílias diferentes. Isso deu origem a uma ampla gama de estilos de Kung Fu.

Na primeira metade do séc. XX vemos a criação de diversas instituições que se propuseram a organizar e categorizar as técnicas marciais. Havia também o interesse em modernizar o ensino de Kung Fu. Dois exemplos são a Associação Jing Wu e a Academia Central de Artes Nacionais.  

Essa sistematização criou diversos tipos de currículos que organizavam suas técnicas em básicos, formas e aplicações. Esses conteúdos podiam ser de um estilo ou uma mistura de variadas técnicas.

A relação do Kung Fu com exames e provas

Mesmo que o sistema de faixas não tenha surgido na China, a prática do exame de faixa pode ser associada a algo completamente chinês: os extintos Exames Imperiais. Tais testes tinham como objetivo selecionar os melhores dentre os melhores. Jovens chineses passaram anos estudando e treinando para as difíceis provas.

Os exames militares

Havia exames civis e militares. Em certes dinastias, passar nas provas era o único jeito de se tornar um funcionário do estado. O objetivo dos exames era proteger o império das famílias aristocráticas, que agiam muitas vezes por interesse próprio, se aproveitando do Estado ao invés de apoiar o mandato do imperador. Por isso, as provas eram extremamente difíceis.

Os exames se originaram na dinastia Han (206-220 d.C.), se desenvolveram no período dos Song (960-1279 d.C.), foram cancelados pelos Yuan (1271-1368 d.C.) e terminaram em 1905, quando a imperatriz Cixi os aboliu. Nos exames militares, uma das exigências era fornecer informações sobre origem, moradia, estado civil, etc. A altura de 1,80m também era um pré-requisito.

Os testes consistiam em desafios de arquearia, manuseio da lança a cavalo, uso do Facão, Espada, etc. Os exames já foram criticados por não abordarem teoria da guerra. Depois de alguns séculos eles também foram criticados por ter um peso maior nas questões teóricas. Ou seja, as provas e as regras dos exames mudaram muito, estavam sempre ligados ao momento político do império chinês.

Como mudar de faixa no Kung Fu

Sendo assim, realizar exames para testar a habilidade de alguém não é algo novo na história das artes marciais chinesas. Mesmo que os exames imperiais tenham terminado, a ideia de oferecer cargos ou certificações por meio de testes e desafios não acabou. Por isso, diversas instituições marciais que surgiram no séc. XX aplicam provas práticas e teóricas para certificar seus alunos e instrutores.

Diversas escolas e professores passaram a aplicar exames de faixa para promoverem seus alunos. Em geral, são realizadas provas para avaliar a execução de técnicas básicas e formas com armas ou de mãos vazias. Há também testes de força e resistência (permanecer X minutos em determinada posição, por exemplo). E, claro, provas teóricas também podem ser aplicadas.

Além disso, algumas instituições avaliam a participação do praticante em eventos e pelo tempo de treino. É possível também avaliar a ética marcial (Wu De) do aspirante, crimes ou afronta às regras da instituição invalidariam seus títulos. Esse é o caso da The World Kuo Shu Federation. Também é comum haver uma taxa de participação no exame.

Todavia, não há uma só regra que defina como deve ser um exame de faixa. Cada família marcial pode escolher seguir um modelo de alguma instituição renomada, que no caso do Kung Fu são várias.

Os exames de faixa da Bravo Kung Fu

Na Bravo Kung Fu utilizamos o sistema de faixas para dividir nossas matérias, que se constituem de:

• Sequências de básicos, solo ou em dupla;
• Formas, com ou sem armas;
• Aplicações, preferencialmente em duplas;
• Lutas combinadas, preferencialmente em duplas;
• Teste de resistência, na postura do cavalo por tempo correspondente à respectiva faixa.

O aluno aprende as matérias nas aulas presenciais ou online. Ele aprenderá aos poucos os conteúdos, sempre revisando as matérias anteriores. Depois de terminar a matéria e aperfeiçoá-la, o aluno vai escolher se faz ou não o exame. A prova não é obrigatória, mas sem ela não é possível aprender os novos conteúdos.

O sistema de notas

Nos exames o aluno tem que atingir uma nota média acima de 7,0 pontos, em um total de 8,0. Ao iniciar a prova ele tem a totalidade de pontos, se ele errar algo, sua nota diminui.

Os critérios que usamos são:

• Técnica, a execução correta do movimento;
• Atenção, estar alerta durante a prova;
• Força, a firmeza adequada do corpo;
• Agilidade, a velocidade dos movimentos.

No Tai Chi Chuan há critérios parecidos, mas eles são adaptados para as características do estilo:

• Técnica, a execução correta do movimento;
• Atenção, estar alerta durante a prova;
• Equilíbrio, a firmeza adequada do corpo e a respiração correta;
• Suavidade, a velocidade e leveza dos movimentos.

Aqui está um exemplo de uma ficha de exame da Bravo Kung Fu:

Outro critério importante é a resistência na postura do cavalo. O aluno deve ficar na posição pelo tempo determinado pela sua faixa. Se ele falhar, ele será automaticamente reprovado, pois essa é uma parte eliminatória na prova.

Avaliação continuada

A nota não é o único critério para a avaliação nos exames de faixa. Todo número deve ter uma referência. Assim a nota, pura e simples, não é critério suficiente para avaliar o desempenho de um praticante. Além disso, há pessoas que desviam da curva média de desempenho, justamente por estar sendo acometidos por alguma condição limitante.

Portanto, as condições individuais do aluno são levadas em conta. A idade, tempo de treino e características biológicas são consideradas na avaliação. O que se cobra de um aluno jovem é bem diferente do aluno idoso. De mesma forma, um aluno novato tem um peso diferente do avançado.

O exame é realizado em rodadas de execução. O aluno repete seu conteúdo entre duas a quatro vezes. Essas execuções podem acontecer em um evento, na aula ou por vídeos, no caso de alunos a distância. Toda repetição é considerada na média total, conforme o exemplo acima, no qual a aluna executou as técnicas em duas rodadas.

O aluno que quer se tornar faixa preta terá todo seu histórico avaliado e terá um exame bem mais criterioso do que o das outras faixas.

Por que fazer exames de faixa?

Os exames são provações em que o aluno testa sua habilidade diante de uma situação mais estressante. Ser observado e avaliado requer um controle emocional maior, que só pode ser melhorado na medida em que o praticante se expõe esse tipo de situação.

Há também um treinamento de virtudes, já que o aluno, para poder evoluir nas graduações, deve cumprir certos requisitos. A técnica marcial entra aqui, porém no longo prazo a paciência se torna uma virtude que deve ser cultiva para permitir o avanço. Primeiro para dar tempo para que a técnica amadureça e, em segundo, para se preparar para possíveis falhas e reprovações.

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