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O Templo Shaolin (ou templo da “jovem floresta”), com seus monges e Kung Fu, é até hoje uma referência da cultura chinesa por todo o mundo. Com sua história milenar, cheia de lendas, fica difícil saber o que é fato ou mito.
Como toda lenda trás fama e notoriedade, foi muito comum que pessoas ligadas ao governo ou ao Templo Shaolin propagassem histórias fantásticas sobre o mosteiro para trazer pessoas e investimentos. Esse texto vai mostrar os principais fatos acerca do templo e seus monges de acordo com os registros históricos.
1 – Um monge indiano fundou o Templo
No séc. V d.C. haviam vários monges indianos peregrinando pela Ásia. Alguns deles chegaram às cortes chinesas e se prontificaram a transmitir os ensinamentos de Buda. Um desses monges foi, Batuo, que impressionou a corte do imperador Xiao Wen (467-499), da dinastia Wei do Norte.
O imperador ofereceu ao monge uma posição na corte, porém ele recusou. O imperador acabou dando ao monge um terreno e fundos para a construção de um templo. Por volta de 495 d.C. ele foi erguido no Monte Shaoshi (próximo a Luoyang, Henan). Este é um dos montes mais altos da região (1.512m) e um dos mais sagrados da China.
2 – O Kung Fu não foi criado no Templo Shaolin
A lenda mais famosa sobre o Kung Fu é sobre sua criação, que teria acontecido no mosteiro. Outro monge, Bodhidharma, teria chegado à região por volta de 520 d.C. Ele teria meditado por nove anos em uma caverna e saído de lá com instruções que dariam origem ao Kung Fu.
Faltam registros históricos que comprovem essa versão. Também há o fato de que as artes marciais chinesas já eram muito difundidas e praticadas séculos antes da criação do templo. Por isso, afirmar que o Kung Fu se criou lá não faz sentido.
3- O monge budista, Bodhidharma, provavelmente existiu
A este monge é atribuída a criação do Kung Fu, como falamos no tópico anterior. Porém os registros históricos que temos dele não contam a mesma história. Veja alguns:
Registro dos mostreiros Budistas em Louyang (Luoyang jia lan ji, 547), o escritor Yan Xuanzhi cita um monge de 150 anos de idade que teria vindo da Pérsia (atual Irã). – Com base nessa obra, o historiador, Broughton, citua Bodhdharma no mosteiro de Yongningsi, na cidade de Luoyang entre 515 e 526;
Biografia de Bodhidharma no prefácio, escrito por Tan-lin (506-574), de Tratado das Duas Entradas e das Quatro Práticas (Erru sixing lun), obra anônima falsamente atribuída a Bodhidharma. O tratado descreve métodos para alcançar a iluminação. Nele Tan-lin fala que o monge era o terceiro filho de um rei da dinastia Pallava, do sul da Índia;
Continuação das Biografias dos Monges Ilustres (Xu gaoseng zhuan), escrita pelo monge budista Daoxuan, em 645, fala da atividade de Bodhidharma na região do monte Song e na cidade de Luoyang.
Podemos perceber que nem o Templo Shaolin ou o Kung Fu são mencionados por esses textos.
4 – A prática marcial era comum nos templos
A localização do Templo Shaolin era bastante isolada e uma rota de fuga para bandidos. Como o território do mosteiro era extenso, ele precisava de proteção. Assim, é de se esperar que os monges de Shaolin e pessoas que moravam próximas ao templo estivessem prontos para lutar.
E isso não era só no Templo Shaolin. No Livro de Wei (Weishu), escrito por Wei Shu entre 551-554, é mencionado que, em 446, quando as tropas Wei invadiram alguns templos, lotes de armas foram encontradas. Esses templos ficavam na região de Changan (Xian).
O historiador Kang Gewu, afirma que os monges praticavam o jiao di, uma luta antiga. Nela os participantes usavam capacetes com chifres para se enfrentar.
Mas isso não significa que o treino marcial era uma prática dentro da rotina dos monges. Muitos dos monges já tinham algum treinamento marcial antes de se ordenarem. A rotina era pesada e muitas vezes não havia tempo para outras atividades além das tarefas monásticas.
5 – Os monges Shaolin e seus feitos militares
A fama de que o treinamento do Kung Fu Shaolin poderia fazer de qualquer pessoa um guerreiro mortal é baseada em fatos. Não no sentido de que os monges eram invencíveis, mas sim no fato de que eles participaram de campanhas militares.
O acadêmico Meir Shahar fez um estudo sobre as estelas (placas de pedra onde se faziam registros) encontradas no templo e escritas entre 621 e 728 d.C. Elas narram feitos e acontecimentos no mosteiro, especialmente sobre a ajuda à dinastia Tang:
Em um escrito de 728, Pei Cui (oficial sênior) conta que, entre 605-616, ladrões estavam atacando pessoas e templos na região. Os monges foram forçados a se defenderem. Várias propriedades do templo foram incendiadas;
Uma das propriedades do templo, o Vale dos Ciprestes (Baigu Shu), tinha um valor estratégico como rota de comunicação com Luoyang. Wang Shichong (falecido em 621), general dos Sui, marchou com suas tropas e construiu uma torre de observação no Vala dos Ciprestes.
Li Shimin (ou imperador Taizong) estava em Guangwu, leste de Luoyang. Alguns monges se questionaram de qual lado estaria a graça divina. Treze deles resolveram ajudar Li Shimin e capturaram Wang Renze (sobrinho de Shichong). O Imperador Taizong agradeceu dando várias propriedades ao templo;
Em um texto da Estrela de Shaolin, há uma carta de 26 de maio de 621 onde o imperador Taizong agradece os 13 monges que o ajudaram e fala para voltarem aos caminhos pacíficos da religião.
Esses feitos não devem ser exagerados. Oferecer ajuda aos governantes era uma boa forma de proteger o Templo Shaolin de intrigas políticas. A reputação do templo o salvou anos depois quando a corte adotou medidas contra o budismo.
Sendo assim, a parceria era mais simbólica do que factual. Treze monges Shaolin não fariam muita diferença em uma batalha com mais de 50 mil soldados de cada lado.
6 – As técnicas de bastão Shaolin
O Kung Fu Shaolin ficou realmente conhecido pelo uso do bastão. Há vários manuais e registros que revelam um estilo próprio do templo. Porém as opiniões sobre a eficiência dos estilos dividiu os especialistas do passado:
Livro da Disciplina Eficaz (Ji Xiao Xin Shu, 1562)- escrito pelo general Qi Jiguang (1528-1588), enumera as técnicas com e sem armas da sua época que o general achava mais eficientes. Qi aborda apenas o método de bastão Shaolin. Porém, ele não entra em detalhes sobre a técnica do mosteiro e prefere focar nas técnicas do general Yu Dayou (1503-1579), indicando que elas são mais eficazes;
Exposição sobre o Método Original de Bastão Shaolin (Shaolin gunfa chan zong, 1610) – escrito pelo artista marcial Cheng Zongyou. É o primeiro manual de um estilo de combate Shaolin. Ele começa falando da lenda de Bodhidharma, mas não fala de uma transmissão de conhecimentos marciais aos monges. Ele escreve sobre sua vida e conta que juntou dinheiro para ir até o templo Shaolin, vivendo por dez anos lá. Relata que poucos monges no templo eram muito habilidosos. Ele estudou com diversos monges e escreveu livros sobre outras artes como o arco e flecha e a lança;
Enciclopédias militares da época: Tratado de Assuntos Militares (Wu bian), escrito por Tang Shunzhi (1507-1560), veterano militar. Tratado de Preparações Militares (Wubei zhi), escrito por Mao Yuanyi (1549-1641), oficial do governo. Alguns consideravam as técnicas de bastão Shaolin dignas de serem aprendidas, mas outros as criticavam;
Registro das Armas (Shoubi lu 1678)- estudioso e praticante das artes marciais Wu Shu (1611-1695). Refere-se ao monge Hongzhuan (quem instruiu Cheng Zongyou). Wu critica os shaolins por usarem a lança como se fosse um bastão. O que mostra que os monges não utilizavam somente o bastão.
Como budistas, os bastões eram mais adequados à imagem de pacifistas, pois essa arma não tem lâminas. É importante lembrar que desde aquela época havia interesse em fazer do templo um local adequado para receber visitantes e entusiastas das artes marciais. Por isso algumas histórias e feitos são retocados para criar uma narrativa mais fabulosa ou então mais coerente com a filosofia do mosteiro.
7 – As tropas formadas por monges contra os piratas
Na dinastia Ming (1368-1644) a costa leste da china era assediada por piratas japoneses. Apesar da prosperidade do governo, e exército chinês estava extremamente mal treinado e equipado.
Com esse cenário os generais dos Ming se empenharam para defender o território de qualquer forma que fosse possível. Eles criaram os xiang bing, tropas de apoio ao exército regular.
Entre essas tropas tínhamos as milícias monásticas que eram compostas por monges de vários templos, inclusive Shaolin. Alguns feitos importantes dessas tropas de monges:
1548 – O monge Sanqi ocupou uma posição militar nas fronteiras das províncias de Shanxi e Shaanxi;
1553 – Um grupo de monges Shaolin participa da defesa da província de Zheijiang;
1556 – O representante militar Nanjing recrutou monges Shaolin para combater piratas em Jiangnan;
1651 – Jornais de Zhejiang noticiam tropas monásticas contra piratas, mas não fala de qual templo;
1665 – O comandante militar He Liangcheng discorre sobre as técnicas de bastão Shaolin dizendo que os monges do mosteiro de Funiu, em Henan, também praticavam artes de combate.
Podemos ver que as artes marciais tiveram uma grande influencia nos templos antigos da China, não só o de Shaolin. Para estudar o Kung Fu sem cair no misticismo é preciso estar sempre atento aos registros históricos. Curta nossa página no Facebook e descubra mais sobre a história do Kung Fu Shaolin!
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